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quinta-feira, setembro 14, 2006

O direito de morrer


Assisti nesse fim de semana a um filme que estivera evitando durante algum tempo, não me pergunte por quê, "Mar adentro" do espanhol Alejandro Amenábar - que trata do direito de "morrer com dignidade" ou melhor, escolher morrer com dignidade a levar uma vida de total dependência alheia. O tema é polêmico e à primeira vista (inclusive para mim) parece sem sentido querer morrer e mais ainda fazer um filme sobre isso, mas afinal essa é uma das funções do cinema: fazer pensar.
Não creio que a morte seja solução para coisa alguma e que é possível ter esperança enquanto se está vivo, a própria história da medicina tem mostrado isso, mas até quando nos é permitido decidir pelos outros? mensurar o impacto que a dependência total causa a uma pessoa? O quanto nós podemos afirmar sobre o interior do ser humano ou sobre a dor que sente alguem em plena faculdade de suas capacidades mentais e ainda assim presa a "um corpo morto"?
A história real de Ramón Sampedro, um marinheiro que ficou tetraplégico aos 26 anos, é contada de uma maneira casual, sem excessos de dramaticidade, com uma lógica correta, não vemos ali um personagem amargurado, ao contrário, vemos uma pessoa cativante, que parece cheia de vida, mas ao mesmo tempo não suporta mais viver pelo simples fato de "não viver".
Ramón esteve paralisado numa cama por vinte e nove longos anos, dos quais lutou por cinco para que lhe fosse dado o direito de morrer com a assistência e anuência do estado; seus argumentos, de que a vida lhe pertencia e que suicídio não era crime, principalmente por ser um estado que se declarava laico, foram aceitos pela justiça, mas ficou claro que ajudá-lo a praticar o suícidio seria uma conduta criminosa; de modo que Ramón simplesmente não poderia suicidar-se, pois era incapaz de qualquer ação sem ajuda de terceiros.
Dessa forma Ramón desenvolve um plano que visava evitar que seus amigos pudessem ser condenados por lhe auxiliar no ato, amigos não identificados colocam ao lado de sua cama um copo com cianureto e deixam uma câmara de vídeo gravando um depoimento de Ramón, no qual ele afirma que a decisão de tomar o líquido do copo é apenas dele e de mais ninguem. Ramón foi encontrado por uma de sua amigas, Ramona, que foi acusada de assassinato, mas que teve o caso arquivado por falta de provas e provocou uma enxurrada de cartas à justiça espanhola de pessoas de todo o mundo em apoio à decisão de Ramón. Em 2005 Ramona confessou, o crime havia prescrito, que fora ela quem auxiliara Ramón a dar cabo da própria vida , contando em detalhes a preparação de tudo.



Cartas desde el infierno foi escrito por Ramón (ele escrevia com os dentes) e publicado em 1996 como parte do esforço em conseguir que sua história comovesse a corte espanhola e lhe permitisse morrer da forma como queria. Seu desejo por morrer, como ele fazia questão de dizer, não era resultado de loucura ou desepero, mas fruto do desejo de se libertar, uma vez que estava vivo mas não vivia e nem podia amar - "vinte anos depois voltei a provar a doçura de lábios. Já quase havia me esquecido dessa ternura. Com eles retornou o amor da mão de uma mulher que adoro, mas também regressou o inferno, por que também voltou o desejo de sentir o meu corpo abraçando o seu, mas a impotência nem sequer me permite acariciar a sua mão"

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