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quinta-feira, maio 04, 2023

Entre Fakes e Projetos

 por Francisco Moreira


É inegável a necessidade imperiosa de criar mecanismos eficientes de regulação da internet, como dito por alguém, ela não pode ser “terra de ninguém” onde é cada um por si e salve-se quem puder, por isso mesmo, iniciativas que visam estabelecer regras claras e que evitem abusos e armadilhas digitais vem sendo implantadas em todo o mundo. Mas quando a gente vê um projeto que desde 2020 vem sendo paulatinamente atrasado em suas discussões, de repente ganhar ares de urgência, sendo alçado a condição de “salvador de nossas crianças e de nossa democracia”, a pulga atrás da orelha começa a coçar absurdamente.

Tal projeto de lei, o de número 2630, alcunhado de “Lei das fakenews” nasceu como um mecanismo de combate a “desinformação”, definida inicialmente pelo relator do projeto, o Senador Alessandro Vieira, como “conteúdo, em parte ou no todo, inequivocamente falso ou enganoso, passível de verificação, colocado fora de contexto, manipulado ou forjado, com potencial de causar danos individuais ou coletivos, ressalvado o ânimo humorístico ou de paródia”, e foi ganhando volume a ponto de ter hoje o dobro de artigos da proposta original.

Catapultada a status de prioridade depois dos protestos (tentativa de golpe?) do, agora histórico, 08 de janeiro em Brasília, e se valendo da perspectiva de que crimes cometidos em escolas por adolescentes logo no início do ano teriam sido incentivados através de canais online, o PL 2630 começou a dividir opiniões entre aqueles que o vêm como uma solução plausível e adequada e outros que o vêm como o precedente de censura e controle de mídia.

Vale dizer que entre declarações como “o WhatsApp é coisa de Satanás” ou “O PL2630 é coisa de país tirânico”, uma verdade se sobressai, a de que o tema ainda está longe de ser esgotado e que há sim a necessidade de maiores e melhores discussões sobre o assunto antes que o projeto se torne Lei. Há ainda muitos pontos obscuros, falta de definições claras de algumas condutas ali descritas; o conceito do que é desinformação, por exemplo sumiu do texto. Uma das versões (já modificada) o substituía por “comportamento inautêntico”, seja lá o que for isso. E, no momento em eu escrevo, pois a votação feste foi adiada para mais discussões, não há qualquer definição do que seja desinformação, fake News ou o tal conteúdo inautêntico.

No cabo de guerra, o governo e algumas empresas de comunicação (beneficiadas em razão da lei não se aplicar a elas) dizem que provedores de conteúdo e mensageria privada estão disseminando um terror injustificado e extremista contra a futura lei. Já os provedores alegam que a falta de clareza de alguns pontos e certas posturas esperadas destes podem acabar por criar mais desinformação e confusão do que já existem.

Fico com esses últimos, por enquanto, até porque, em um aceno possível as hipóteses de censura que circulam pela rede digital, o STF determinou que os provedores retirassem de seus portais as informações com as impressões destes sobre o projeto de lei. Opiniões que de forma bastante equilibradas traziam questionamentos sobre o projeto, que, sejamos sinceros, foi pouquíssimo discutido com a sociedade e os usuários das diversas mídias sociais.

Como dito acima, a necessidade de uma lei para regulamentar as vias digitais, apontando responsabilidade e comportamentos, visando transparência e maior proteção contra conteúdos nocivos é algo imperioso, porém para que seja eficaz tem que ser clara e objetiva no que se propõe, tem que ser discutida em relação a tecnicidade, a constitucionalidade, a exequibilidade e a um equilíbrio que mantenha o sistema social funcionando de maneira ordeira e sem sobressaltos desnecessários. E não pode ser uma colcha de retalhos que misture direitos autorais, relações comerciais e outros penduricalhos.

As leis não existem em razão desse ou daquele comportamento pontual, mas precisam atender a demanda de toda a sociedade organizada. Para que certos mecanismos de controle tenham eficácia é preciso que se conheça a fundo o objeto de controle, de modo a prevenir abusos ou excessos de facilidades. Claro que os provedores de mídia social precisam assumir responsabilidade por conteúdos não moderados e nocivos em suas plataformas, não podemos admitir mais que grupos extremistas, preconceituosos, nazistas, pedófilos, etc. se perpetuem de modo a influenciar crianças, adolescentes ou quem quer que seja à prática de atos criminosos ou perigosos.

Lembro o recente bloqueio do Telegram acusado de não fornecer dados sobre investigações policiais a respeito de grupos neonazistas, dados que segundo a empresa seriam impossíveis de serem entregues devido a limitações técnicas. Não vou discutir o fato em si, mas lembro que o Telegram era um mensageiro quase desconhecido há alguns anos aqui no Brasil, mas ganhou força justamente após bloqueios seguidos do WhatsApp, por motivos semelhantes. Ou seja, os usuários simplesmente foram buscar uma alternativa e será sempre assim. Portanto, não basta apenas bloquear essa ou aquela aplicação, é preciso investir seriamente em tecnologia de infiltração, em educação digital e social, criar mecanismos de inclusão e ferramentas de investigação eficazes. Como tudo isso interessa diretamente ao consumidor usuário das diversas redes sociais que operam na internet, não é cabível que um Projeto de Lei seja votado e aprovado sem uma ampla discussão que envolva a sociedade.

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