Reportagem exibida recentemente
no programa Bom Dia Brasil da rede Globo de televisão, denunciava que nos
últimos cinco anos o número de menores envolvidos com o crime no Rio de Janeiro
triplicou, essencialmente em relação à participação no tráfico de drogas.
Informa ainda a reportagem, que a maioria desses jovens possui baixa
escolaridade e quase nenhuma perspectiva de uma vida de qualidade nos lugares
onde moram. Muitos são submetidos a medidas sócio educativas nas casas de
acolhimento, mas a falta de estrutura delas e as condições adversas encontradas
quando saem (mesmo quando estudam e aprendem uma profissão durante o
internamento), acabam levando o jovem de volta ao mundo do crime.
Não é mais surpresa que esses
jovens sejam cooptados por criminosos e que muitas vezes acabem ascendendo
dentro do crime e chegando a gerenciar pontos de tráfico ou mesmo comandar
quadrilhas; os delitos cometidos vão desde a venda de drogas, passando por
roubo, sequestros e até assassinatos. Recentemente em Porto Seguro na Bahia,
uma criança de apenas 12 anos e acusada de seis assassinatos e mais 17
tentativas, foi apreendida pela polícia, causando grande comoção na sociedade
local, mostrando que esse tipo de envolvimento não se restringe à capital
carioca.
Tal cooptação se dá por um motivo
simples: a certeza da impunidade daquele que irá cometer o crime ou, no caso
específico, a infração penal. Para o chefe de quadrilha é fácil e útil recrutar
menores que nada tem a perder, quase não têm medo, são destemidos, muitas vezes
conhecidos pela violência exagerada e, mesmo sendo flagrados, serão rapidamente
liberados, sem processo, sem necessidade de advogados, sem “sujar a ficha”;
além de que, se pegos, muito pouca chance terão de levar até ao verdadeiro
líder. Enfim, a lista de vantagens é enorme.
A falta de investimentos pesados
em educação de base, a dificuldade para se chegar ao primeiro emprego, a
praticamente inexistente qualidade de vida, os constantes apelos ao consumo,
que nos instiga a ter o celular da moda, o videogame mais poderoso, a roupa que
vemos na novela, a TV de LED 3D, etc. Faz parecer aos jovens que no crime eles
ganharão tudo isso de forma rápida e fácil. Lembro que vivemos tempos de culto
ao prazer desenfreado, o prazer pelo prazer; devemos viver o mais absurda e
permissivamente possível, de maneira rápida e radical.
No documentário “Falcão, meninos
do tráfico” do rapper MV Bill e Celso Athaíde (2006),
uma das coisas que nos chama a atenção é perceber que o ingresso no mundo do
crime, dá a esses jovens status de celebridade dentro das comunidades onde
vivem. A chamada ostentação, a força bruta e a violência fazem desses meninos
estrelas com direito a fãs e admiradoras, as armas que portam lhes dá uma aura
de poder, de masculinidade e impõe medo aos moradores; transferindo a eles um
poder social que é quase impossível de ser superado por atividades normais e
honestas.
Nesse cenário, a impunidade penal
aqueles menores de 18 anos se torna uma arma que nas mãos criminosas e que, a
meu ver, em nada protege a imensa maioria de jovens brasileiros que não roubam,
matam ou traficam. Tal impossibilidade punitiva só transforma crianças cada vez
mais jovens e adolescentes em buchas de canhão do tráfico de drogas, só os faz
buscar mais cedo à ascensão no mundo da violência. Claro que a redução da
maioridade penal sozinha não iria acabar com a violência, assim como punir
adultos também não tem surtido esse efeito; porém a possibilidade de punição
poderia diminuir o interesse no uso de menores como mão de obra do crime.
Essa punibilidade, claro, deveria
ser diferenciada em relação a criminosos adultos, com penas também
diferenciadas e cumprimento em estabelecimentos especiais. Sei que alguns vão
dizer que se melhorarmos a estrutura do que está aí, da tal rede de proteção,
essa realidade se alteraria, eu digo que a melhoria é sim imprescindível,
precisamos reformar nossa execução penal, com disciplina e ressocialização de
verdade, precisamos de estabelecimentos penais mais seguros e com rotinas de
trabalho, convivência e estudo rígidas; bem como estabelecimentos de
acolhimento a menores mais estruturados e eficientes. Mas apenas isso não
bastará se a discussão franca sobre a redução da punibilidade penal não for
levada a toda sociedade e repensada de modo a ser justa.
O discurso não é se o menor de 18
anos deve ou não ser punido pela prática de crimes, mas sim como deve ser
punido de forma coerente, imparcial, de acordo com o crime cometido, de acordo
com a história pessoal do menor e como forma de proteção de outros jovens e da
própria sociedade. Não há como explicar que um jovem cometa assassinatos de
forma brutal e repetidas vezes e depois seja apenas internado numa instituição
por no máximo 03 anos, após os quais sairá livre, sem antecedentes e na maioria
das vezes pronto a voltar à criminalidade. Defender essa maioridade penal da
forma que está estabelecida hoje é uma distorção do conceito de igualdade, uma
injustiça e uma irresponsabilidade.
Sempre defendi que a maioridade
penal deva ser relativa e não absoluta. Não dá pra ver crimes, muitas vezes
hediondos, sendo cometidos por menores que acabam se livrando de qualquer
punição. Também sempre defendi que a educação é o principal instrumento de
libertação da sociedade e que é preciso investir e muito na ressocialização
tanto de infratores quanto de criminosos, bem como há a necessidade de
acompanhar os presos libertos, inclusive dando-lhe suporte após o cumprimento
de suas penas. O que não dá pra defender é esse sistema que deveria proteger
crianças e adolescentes dando-lhes cidadania, mas restringe essa proteção à
ação não punitiva, que só faz aumentar o número de jovens vítimas da
criminalidade.
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