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segunda-feira, setembro 29, 2014

Maioridade Penal irrestrita é irresponsabilidade



Reportagem exibida recentemente no programa Bom Dia Brasil da rede Globo de televisão, denunciava que nos últimos cinco anos o número de menores envolvidos com o crime no Rio de Janeiro triplicou, essencialmente em relação à participação no tráfico de drogas. Informa ainda a reportagem, que a maioria desses jovens possui baixa escolaridade e quase nenhuma perspectiva de uma vida de qualidade nos lugares onde moram. Muitos são submetidos a medidas sócio educativas nas casas de acolhimento, mas a falta de estrutura delas e as condições adversas encontradas quando saem (mesmo quando estudam e aprendem uma profissão durante o internamento), acabam levando o jovem de volta ao mundo do crime.



Não é mais surpresa que esses jovens sejam cooptados por criminosos e que muitas vezes acabem ascendendo dentro do crime e chegando a gerenciar pontos de tráfico ou mesmo comandar quadrilhas; os delitos cometidos vão desde a venda de drogas, passando por roubo, sequestros e até assassinatos. Recentemente em Porto Seguro na Bahia, uma criança de apenas 12 anos e acusada de seis assassinatos e mais 17 tentativas, foi apreendida pela polícia, causando grande comoção na sociedade local, mostrando que esse tipo de envolvimento não se restringe à capital carioca.

Tal cooptação se dá por um motivo simples: a certeza da impunidade daquele que irá cometer o crime ou, no caso específico, a infração penal. Para o chefe de quadrilha é fácil e útil recrutar menores que nada tem a perder, quase não têm medo, são destemidos, muitas vezes conhecidos pela violência exagerada e, mesmo sendo flagrados, serão rapidamente liberados, sem processo, sem necessidade de advogados, sem “sujar a ficha”; além de que, se pegos, muito pouca chance terão de levar até ao verdadeiro líder. Enfim, a lista de vantagens é enorme.

A falta de investimentos pesados em educação de base, a dificuldade para se chegar ao primeiro emprego, a praticamente inexistente qualidade de vida, os constantes apelos ao consumo, que nos instiga a ter o celular da moda, o videogame mais poderoso, a roupa que vemos na novela, a TV de LED 3D, etc. Faz parecer aos jovens que no crime eles ganharão tudo isso de forma rápida e fácil. Lembro que vivemos tempos de culto ao prazer desenfreado, o prazer pelo prazer; devemos viver o mais absurda e permissivamente possível, de maneira rápida e radical.



No documentário “Falcão, meninos do tráfico” do rapper MV Bill e Celso Athaíde (2006), uma das coisas que nos chama a atenção é perceber que o ingresso no mundo do crime, dá a esses jovens status de celebridade dentro das comunidades onde vivem. A chamada ostentação, a força bruta e a violência fazem desses meninos estrelas com direito a fãs e admiradoras, as armas que portam lhes dá uma aura de poder, de masculinidade e impõe medo aos moradores; transferindo a eles um poder social que é quase impossível de ser superado por atividades normais e honestas.

Nesse cenário, a impunidade penal aqueles menores de 18 anos se torna uma arma que nas mãos criminosas e que, a meu ver, em nada protege a imensa maioria de jovens brasileiros que não roubam, matam ou traficam. Tal impossibilidade punitiva só transforma crianças cada vez mais jovens e adolescentes em buchas de canhão do tráfico de drogas, só os faz buscar mais cedo à ascensão no mundo da violência. Claro que a redução da maioridade penal sozinha não iria acabar com a violência, assim como punir adultos também não tem surtido esse efeito; porém a possibilidade de punição poderia diminuir o interesse no uso de menores como mão de obra do crime.


Essa punibilidade, claro, deveria ser diferenciada em relação a criminosos adultos, com penas também diferenciadas e cumprimento em estabelecimentos especiais. Sei que alguns vão dizer que se melhorarmos a estrutura do que está aí, da tal rede de proteção, essa realidade se alteraria, eu digo que a melhoria é sim imprescindível, precisamos reformar nossa execução penal, com disciplina e ressocialização de verdade, precisamos de estabelecimentos penais mais seguros e com rotinas de trabalho, convivência e estudo rígidas; bem como estabelecimentos de acolhimento a menores mais estruturados e eficientes. Mas apenas isso não bastará se a discussão franca sobre a redução da punibilidade penal não for levada a toda sociedade e repensada de modo a ser justa.



O discurso não é se o menor de 18 anos deve ou não ser punido pela prática de crimes, mas sim como deve ser punido de forma coerente, imparcial, de acordo com o crime cometido, de acordo com a história pessoal do menor e como forma de proteção de outros jovens e da própria sociedade. Não há como explicar que um jovem cometa assassinatos de forma brutal e repetidas vezes e depois seja apenas internado numa instituição por no máximo 03 anos, após os quais sairá livre, sem antecedentes e na maioria das vezes pronto a voltar à criminalidade. Defender essa maioridade penal da forma que está estabelecida hoje é uma distorção do conceito de igualdade, uma injustiça e uma irresponsabilidade.

Sempre defendi que a maioridade penal deva ser relativa e não absoluta. Não dá pra ver crimes, muitas vezes hediondos, sendo cometidos por menores que acabam se livrando de qualquer punição. Também sempre defendi que a educação é o principal instrumento de libertação da sociedade e que é preciso investir e muito na ressocialização tanto de infratores quanto de criminosos, bem como há a necessidade de acompanhar os presos libertos, inclusive dando-lhe suporte após o cumprimento de suas penas. O que não dá pra defender é esse sistema que deveria proteger crianças e adolescentes dando-lhes cidadania, mas restringe essa proteção à ação não punitiva, que só faz aumentar o número de jovens vítimas da criminalidade.

quarta-feira, agosto 27, 2014

‘Eu nunca adicionaria meus filhos no Facebook’, diz pesquisadora

Entrevista com Mimi Ito, professora da Universidade da Califórnia e estudiosa do comportamento jovem na internet

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Por Bruno Capelas, Estadão

SÃO PAULO – Mãe de dois adolescentes e professora da Universidade da Califórnia, a nipo-americana Mimi Ito estuda a maneira como os adolescentes e crianças se comportam na internet, tendo chefiado o Digital Youth Project, pesquisa de 2008 que mostrou como os jovens estão usando a rede para novas formas de aprendizado, amizade, relacionamentos amorosos e busca por informações. No Brasil a convite do Google para a série de palestras Think with Google, Mimi falou ao Link sobre como os pais e educadores devem lidar com o mundo digital, em temas como privacidade, bullying e o crescente uso de dispositivos móveis.

A maioria das pessoas acha que interações online são diferentes do ‘mundo real’. O que a senhora pensa sobre isso?
 
Para a maioria das crianças, o principal uso da internet é uma extensão dos relacionamentos que elas têm ao vivo: elas mandam mensagens ou conversam com os amigos no Facebook — o que nós chamamos de redes de amizades. Mas muitas crianças usam a internet para ter acesso a novas informações, em redes como fóruns e plataformas de games. Nesses ambientes, elas também fazem amigos. Elas, entretanto, tem uma divisão muito clara desses ambientes: seria estranho ter um adulto ou um estranho por perto no Facebook, porque é nesses ambientes que elas se relacionam, fazem amizades ou flertam entre si. Há uma noção muito própria de privacidade e discrição. Meu filho é um gamer, joga com estranhos toda hora, mas eles se conectam por ter o mesmo interesse. É diferente das pessoas com quem ele está mandando mensagens ou conversando no Facebook.

Por que é tão difícil para os pais entender essa diferença?
 
Existem experiências que não foram absorvidas pelo intervalo de gerações. Para o meu filho, jogar em uma liga de StarCraft é tão importante quanto um campeonato de basquete – mas isso não acontece para as maioria dos pais, porque eles não tiveram essa vivência. Nós, como pais, temos de educar a nós mesmos sobre o que está acontecendo, e querer nos envolver, assim como fazemos com os jogos de basquete ou as apresentações de balé dos nossos filhos. É algo normal, mas que muitos pais parecem ter desistido com o mundo online, só porque não é algo familiar a eles.

E como os pais podem se envolver sem invadir a privacidade dos filhos? Um pai deve ser amigo do filho no Facebook?
 
Aí entra a diferença entre redes de interesse e redes de amizade. Eu nunca adicionaria meus filhos no Facebook: eles não querem que eu saiba por quem eles estão apaixonados, ou quem são os mais populares da sala. Pelo contrário! Conversamos sobre isso no jantar, mas não preciso ter contato com isso. Por outro lado, me envolvo nas redes de interesses deles. Jogo MineCraft com meus filhos, tento saber o que é um Tumblr ou o StarCraft. Se as crianças entenderem que o seu interesse pelo que eles gostam é genuíno, será ótimo: elas querem que você saiba o que é o StarCraft, assim como querem que você veja o seu jogo de futebol. Mas elas vão perceber se você estiver por perto só para tentar controlar o que elas fazem – e vão se rebelar por isso.

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Uma pesquisa recente no Brasil diz que quase metade dos pais das crianças conectadas do País não usam a internet. Como eles podem educar seus filhos para usar a rede? Eles precisam necessariamente estar conectados e usar redes sociais, por exemplo?
 
Os pais precisam ver que seus filhos podem ajudá-los a entender a tecnologia, e prover a eles a sabedoria para lidar com a tecnologia. Muito do que nós estamos falando aqui é apenas sobre aprendizado e como se comportar em sociedade. É uma parceria: eles conhecem as ferramentas, nós podemos ajudar a dar os valores.

O cyberbullying é um dos temas mais discutidos quando se fala em tecnologia e adolescentes aqui no Brasil. No que ele é diferente do bullying?
 
Comportamentalmente, ambos são a mesma coisa. Com a tecnologia, as coisas viajam mais rápido e são mais difíceis de serem esquecidas, é algo mais danoso. Entretanto, há um lado positivo: a tecnologia está tornando o bullying vísivel. Antes, ele acontecia em vestiários e na saída da escola, e os adultos não tinham acesso ao que acontecia. Na internet, os pais e os educadores podem ver o que acontece. Às vezes, a percepção de que as redes sociais geram o bullying é errada: ela só está tornando visível algo que já acontecia. Repito: não monitoro o Facebook dos meus filhos, mas eles são orientados a me avisarem quando coisas assim acontecem. As escolas também estão fazendo isso.

Outra preocupação crescente dos pais é como as crianças tem usado cada vez mais a internet nos celulares e tablets. Como a senhora vê isso?
 
O mobile cresceu muito, mas seu estilo de comunicação hoje, via Whatsapp ou Snapchat, não é diferente de uma mensagem de texto. A mudança para o celular, há cerca de dez anos, é que fez a diferença, porque deu um espaço privado para os jovens. O que mudou é que, antes, com SMS, elas se comunicavam com no máximo dez pessoas. Hoje, com o Whatsapp, podem ser centenas de pessoas. Mas vale lembrar: elas estão fazendo isso de forma privada. Os jovens não acham mais que o Facebook é um espaço seguro para sua comunicação íntima, porque os professores vão olhar o que eles estão fazendo.

Como as escolas podem incorporar essa tendência?
 
Elas têm se envolvido nos relacionamentos das crianças: quando as coisas evoluem para bullying, elas tomam posições. As escolas tem ensinado sobre cidadania digital e participação, como fazem com outras questões sociais. Onde a educação formal tem sido pouco pró-ativa é nas redes de interesses. Comunidades online dão muito mais acesso a conhecimentos que uma escola pode oferecer, mas poucas delas estão usando a internet com essa fonte de pesquisa, e continuam tentando produzir todo o conteúdo e expertise localmente. Isso não precisa acontecer.

Existe alguma idade mínima para que uma criança comece a usar a internet?
 
Não sei dizer. A linha dos 13 anos imposta pelas empresas é arbitrária, mas tende a ser nessa idade que a criança começa a ter a sua vida de forma independente e os pais precisam monitorar menos o que elas fazem. Na verdade, o requisito mínimo é mais o envolvimento e o diálogo que existe entre pais e crianças, e menos o que elas fazem.

E o que a senhora acha que as empresas de tecnologia estão fazendo para lidar com esse público crescente?
 
Elas precisam ser mais pró-ativas para atender esse público: a maioria das empresas dizem que as crianças só podem usar seus serviços a partir dos 13 anos. Não há conscientização ou considerações como elas podem usar a internet de um jeito bacana. Só há a falta de incentivo. Vejo que as empresas de tecnologia tiveram postura ativa em questões como a privacidade de seus usuários, mas não nos direitos das crianças. É preciso que elas entendam isso, porque são as plataformas que as crianças usam para aprender, são úteis para a educação.