por Francisco Moreira
Tal projeto de lei, o de número
2630, alcunhado de “Lei das fakenews” nasceu como um mecanismo de combate a
“desinformação”, definida inicialmente pelo relator do projeto, o Senador
Alessandro Vieira, como “conteúdo, em parte ou no todo, inequivocamente falso
ou enganoso, passível de verificação, colocado fora de contexto, manipulado ou
forjado, com potencial de causar danos individuais ou coletivos, ressalvado o
ânimo humorístico ou de paródia”, e foi ganhando volume a ponto de ter hoje o
dobro de artigos da proposta original.
Catapultada a status de
prioridade depois dos protestos (tentativa de golpe?) do, agora histórico, 08
de janeiro em Brasília, e se valendo da perspectiva de que crimes cometidos em
escolas por adolescentes logo no início do ano teriam sido incentivados através
de canais online, o PL 2630 começou a dividir opiniões entre aqueles que o vêm
como uma solução plausível e adequada e outros que o vêm como o precedente de
censura e controle de mídia.
Vale dizer que entre declarações
como “o WhatsApp é coisa de Satanás” ou “O PL2630 é coisa de país tirânico”,
uma verdade se sobressai, a de que o tema ainda está longe de ser esgotado e
que há sim a necessidade de maiores e melhores discussões sobre o assunto antes
que o projeto se torne Lei. Há ainda muitos pontos obscuros, falta de
definições claras de algumas condutas ali descritas; o conceito do que é
desinformação, por exemplo sumiu do texto. Uma das versões (já modificada) o
substituía por “comportamento inautêntico”, seja lá o que for isso. E, no
momento em eu escrevo, pois a votação feste foi adiada para mais discussões, não
há qualquer definição do que seja desinformação, fake News ou o tal conteúdo
inautêntico.
No cabo de guerra, o governo e
algumas empresas de comunicação (beneficiadas em razão da lei não se aplicar a
elas) dizem que provedores de conteúdo e mensageria privada estão disseminando
um terror injustificado e extremista contra a futura lei. Já os provedores
alegam que a falta de clareza de alguns pontos e certas posturas esperadas
destes podem acabar por criar mais desinformação e confusão do que já existem.
Fico com esses últimos, por
enquanto, até porque, em um aceno possível as hipóteses de censura que circulam
pela rede digital, o STF determinou que os provedores retirassem de seus
portais as informações com as impressões destes sobre o projeto de lei.
Opiniões que de forma bastante equilibradas traziam questionamentos sobre o projeto,
que, sejamos sinceros, foi pouquíssimo discutido com a sociedade e os usuários das
diversas mídias sociais.
Como dito acima, a necessidade de
uma lei para regulamentar as vias digitais, apontando responsabilidade e comportamentos,
visando transparência e maior proteção contra conteúdos nocivos é algo
imperioso, porém para que seja eficaz tem que ser clara e objetiva no que se
propõe, tem que ser discutida em relação a tecnicidade, a constitucionalidade,
a exequibilidade e a um equilíbrio que mantenha o sistema social funcionando de
maneira ordeira e sem sobressaltos desnecessários. E não pode ser uma colcha de
retalhos que misture direitos autorais, relações comerciais e outros
penduricalhos.
As leis não existem em razão
desse ou daquele comportamento pontual, mas precisam atender a demanda de toda
a sociedade organizada. Para que certos mecanismos de controle tenham eficácia
é preciso que se conheça a fundo o objeto de controle, de modo a prevenir
abusos ou excessos de facilidades. Claro que os provedores de mídia social
precisam assumir responsabilidade por conteúdos não moderados e nocivos em suas
plataformas, não podemos admitir mais que grupos extremistas, preconceituosos,
nazistas, pedófilos, etc. se perpetuem de modo a influenciar crianças, adolescentes
ou quem quer que seja à prática de atos criminosos ou perigosos.
Lembro o recente bloqueio do Telegram acusado de não fornecer dados sobre investigações policiais a respeito de grupos neonazistas, dados que segundo a empresa seriam impossíveis de serem entregues devido a limitações técnicas. Não vou discutir o fato em si, mas lembro que o Telegram era um mensageiro quase desconhecido há alguns anos aqui no Brasil, mas ganhou força justamente após bloqueios seguidos do WhatsApp, por motivos semelhantes. Ou seja, os usuários simplesmente foram buscar uma alternativa e será sempre assim. Portanto, não basta apenas bloquear essa ou aquela aplicação, é preciso investir seriamente em tecnologia de infiltração, em educação digital e social, criar mecanismos de inclusão e ferramentas de investigação eficazes. Como tudo isso interessa diretamente ao consumidor usuário das diversas redes sociais que operam na internet, não é cabível que um Projeto de Lei seja votado e aprovado sem uma ampla discussão que envolva a sociedade.