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quinta-feira, novembro 24, 2016

A MURALHA DE FARDA TEM SANGUE E LÁGRIMAS



Por: Eduardo Perez Oliveira - TJ-GO (a partir de um post compartilhado)


Os espartanos ficaram conhecidos popularmente pela batalha das Termópilas e se notabilizaram por sua honra, intrepidez e por preferirem a morte a abandonar a defesa de seus companheiros em armas e dos seus concidadãos.

Dentre as várias características singulares da Lacedemônia, uma delas era de que a urbe não possuía fortificações. O rei espartano Agesilau, questionado por um estrangeiro onde estavam os muros, apontou para seus homens e disse: “Estes são os muros de Esparta!˜.

Assim como em Esparta, os muros de nossa Democracia são nossos guerreiros urbanos, as forças policiais, e esse muro está ruindo.

Os mais inocentes poderão dizer que nossos muros são as leis. De fato, as leis são a estrutura de nossa sociedade, mas não são o anteparo da barbarie.

A lei só tem valor se houver como aplicá-la no mundo real. Caso contrário não passará de uma pomposa - e cara - sugestão. Ihering, grande jurista, referindo-se ao tradicional símbolo da justiça, já alertava que o Direito sem a balança é a mera força bruta, e sem a espada é a pura impotência.

Cogite: se alguém se aproxima de você com a intenção de tomar sua vida, você tem quatro alternativas: a) tentar escapar; b) reagir e fazer cessar a ameaça; c) tentar convencer o agressor do contrário pelo dialogo; d) entregar sua vida.

Ou seja, se você não puder fugir, convencer do contrario ou reagir, terá que entregar sua vida bovinamente.

O que funciona como elemento de dissuasão para aquele que se propõe a agir de forma contrária à justiça? Balões brancos, pintar a unha de branco, fazer o símbolo de pomba da paz com as mãos? Não.

Somente o medo de que uma força maior o detenha é capaz de dissuadir o criminoso. Nenhum argumento racional fará cessar o ato de um homem "mau" com uma arma, somente um homem "bom" portando uma arma o fará.

E os policiais, o simbolismo da farda ou distintivo que ostentam, são capazes de dissuadir muitos da prática do ilícito, embora não tanto mais quanto antigamente.

É graças à existência desses homens e mulheres que juraram defender a lei e a ordem, que tornam real a sanção do Estado, que você tem a liberdade de aproveitar sua vida, inclusive para crítica-los.

Nisso não há exagero nenhum. Estude história. Entenda o que acontece com a população civil dos locais sem estado e sem leis, em que as milícias e pequenos chefes do crime dominam e aplicam suas próprias normas, não voltadas ao bem comum, mas aos interesses pessoais.

Pense. Vá além do seu mundo tradicional e imagine o que aconteceria se subitamente não existissem mais forças policiais para conter a criminalidade.

Você acha que a sociedade é formada por pessoas boas apenas? Pense de novo. Com a mesma coragem que alguém usa o celular ao dirigir quando não há fiscalização, alguns matam, roubam, estupram, e isso independe da condição financeira ou escolar.

Já diz o adágio que o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente. Aquele que sabe que não haverá nenhuma punição, praticará os mais escabrosos atos. Somente sua consciência o limita.

O quadro é grave. Não bastassem o armamento e viaturas sucateadas, as proteções deficitárias, também os policiais estão sendo assassinados às centenas sem que a imprensa se importe. Em qualquer outro país civilizado e democrático seria motivo de preocupação, mas o Estado e a mídia tratam essa aberração de forma banal.

E quando um, dentre dezenas e dezenas de milhares, pratica um crime, todos são julgados por este. Não existe instituição isenta de bandidos, mas a dizer que toda ela é formada por criminosos é leviano e injusto.

A nossa Constituição diz que ninguém será presumido culpado, o que não vale para o policial, que sempre deve provar que agiu certo, mesmo quando a sua vida, e a de outros, estavam em risco. Para todos, a presunção de inocência, para as forças policiais, a presunção de culpabilidade.

Esquecem que atrás de uma farda, de um distintivo, existe um pai ou mãe de família que sai de casa para proteger gente que nem conhece, repugnado por uma sociedade que o chama de truculento, corrupto, bandido.

Esse muro de fardas tem sangue e tem lágrimas. Tem gente rezando em casa para que essa farda volte inteira. Há filho que não terá uma mãe no Dia das Mães, não terá um pai no aniversário. Pais ficarão sem seus filhos no Natal. Esposas sem maridos. Maridos sem esposas.

Esses guerreiros e guerreiras se armam de fé e de coragem para lutar por uma sociedade que não os reconhece, porque a honra e a compaixão neles é maior do que o egoísmo. E não se diga que são pagos para isso, porque estou certo que muitos dos que criticam nem pelo cêntuplo do que eles ganham se envolveriam em uma troca de tiros com criminosos ou aguentariam as ofensas diárias.

O Brasil é um país com mais de 60 mil mortos por ano, e, mesmo com uma legislação e interpretações que favorecem o criminoso, com uma produção jurídica, acadêmica e sociológica voltada quase totalmente para atender ao agente infrator, com uma comunidade que não reconhece seu valor, os policiais insistem em lutar.

Nosso muro está rachando, já possui severas fissuras. A represa que contém o mar de sangue já não mais se segura, e, entre pai e filho policiais executados e helicópteros caindo, ela ameaça romper.

O Brasil precisa ser passado a limpo e, se não é possível começar de cima para baixo, comecemos de baixo para cima.

Apóie as forças policiais. Cumprimente, agradeça seu trabalho, dê um bom-dia, porque ele está disposto a dar a vida por você, um estranho.

Temos que conter a maré de violência até onde for possível, enquanto o país passa por sua necessária auditoria, esperando que dessa vez a nação escolha o caminho certo na bifurcação.

Pense, ainda que por um instante, além dos dogmas que te empurraram garganta abaixo: dê suporte aos policiais de sua região, faça-os saber que a sociedade os reconhece, apesar do que dizem parte da grande mídia, as políticas de estado e os “grandes pensadores tupiniquins”.

Além de cobrar e fiscalizar os agentes de estado, devemos tratar os bons com respeito e honra. Os policiais, hoje enlutados, têm os meus.

segunda-feira, outubro 31, 2016

Mosca espanhola







FERGUSON, Will. Mosca Espanhola. Tradução PARCIONIK, Celso M. São Paulo: Companhia da Letras, 2011


“Nós traficamos com sonhos e falsas esperanças, Jack. E o que poderia ser mais americano do que isso? (...)”

RESENHA:




Estados Unidos, final da década de trinta. Os americanos sofrem ainda os efeitos da recessão ocorrida após o crash da bolsa em 1929 e o mundo acompanha as mudanças na Europa que levarão a 2ª Grande Guerra. É nesse cenário que encontramos Jack, jovem operário de uma mina de carvão que diferente dos demais conterrâneos possui uma mente aguçada e é um ávido frequentador da biblioteca local ao tempo em que tenta cuidar do seu pai desempregado e iludido com sonhos de fortuna fácil. A história começa com um aparente romance entre Jack e a filha da bibliotecária, mas essa é apenas a roda do destino que o leva a conhecer Rose e Virgil, um casal de vigarista que um belo dia chega a cidade e começa a aplicar golpes em todo o comércio conseguindo tirar dinheiro de modo fácil e consistente das pessoas; curioso, Jack segue o casal sem o denunciar no entanto, apenas observando a destreza com que ambos agem. Ao fim do dia, Virgil tendo percebido a presença do rapaz a vigiá-lo decide dar uma parte do que dinheiro e surpreendentemente o convida a partir com eles. Decidido a descobrir a mecânica daquela vida e a mudar a sua própria, Jack simplesmente parte com eles, abandonando tudo para se aventurar numa jornada de aprendizado que o levará de costa a costa de um país quebrado e em reconstrução, dando golpes numa escala cada vez maior e com mais sofisticação. Rose é uma femme fatale que encanta com seus olhares lânguidos e a capacidade de se mostrar frágil ou sensual, enquanto Virgil é um excêntrico golpista de passado misterioso e comportamento errático que sonha com um grande truque capaz de imortalizá-lo. Juntos formam um casal apaixonado e dependente um do outro, com um gosto voraz pelos prazeres da vida e do jazz. Ambos levarão Jack e o leitor pelas estradas de uma nação angustiada e que anseia deixar para trás a maior crise econômica de sua história, com seus habitantes sedentos por obter qualquer tipo de lucro e justamente por isso presas fáceis nas mãos desses hábeis trapaceiros. Nem tudo, no entanto são flores e o trio terá que se deparar com uma ameaça desconhecida e talvez fatal que ameaça tudo aquilo que eles conseguiram. Afinal “traficar com sonhos e esperanças” pode ser um jogo extremamente perigoso.

Eu não conhecia o Will Ferguson e o livro me caiu em mãos meio por acaso, mas o cara escreve muito bem, embora o início do livro pareça um pouco arrastado monótono (assim como a pequena cidade onde vive Jack), mas aos poucos vai tomando fôlego e ritmo a partir da segunda parte. O autor consegue recriar uma atmosfera de época bem interessante com belas e trágicas descrições nem tanto de cenários, mas dos ambientes em que acontece a história, criando um clima que proporciona uma boa imersão na leitura, em alguns momentos parece até que dá pra ouvir a musica tocando nos salões de baile. Os golpes descritos na aventura são todos reais, assim como alguns golpistas que aparecem no texto e os diálogos soam naturais e condizentes com as situações. A edição da Cia da Letras peca pouco em termos de revisão, mas comete um grave pecado ao não incluir a capa original do livro, a qual é referenciada com certa importância nas notas do autor ao fim do livro.